Nosso mundo era um pequeno paraíso, com o aroma verde das matas, frutas e pássaros. O rio, onde se viam os peixes bailando, com seus poços onde tomávamos banho! Os vizinhos nas lavouras, ao lado do morro, cantando e gritando, como a dizer:
– Vejam! Nós estamos aqui!
Quando o calendário amanhecia vermelho, aumentava a alegria. Era só tratar os animais e depois receber ou fazer visitas, juntar-se a parentes e vizinhos, e festejar! A festa nos entretinha na caça, con la fionda e le tràpole; na pescaria, com anzol ou caniço; nas corridas dos carrinhos de lomba, urtanado su par la riva, e dopo zoooo! Robe de spacarse le onge, sbregar le braghe e anca le culate; na colheita de frutas silvestres. Outras brincadeiras eram reservadas aos filòs, no pátio, ao luar, ou em casa nas noites escuras ou frias. Brincadeiras que hoje seriam ridículas:
– Ai, bai, come stai...; la bìbola-bòbola; la vècia crepa; el soto caval e le ingiuvinele...
Mas, como tudo muda, meu paraíso também mudou. Com a proibição de falar línguas estrangeiras quase virou um purgatório. Devíamos estar sempre atentos; caso chegasse o comissário, que morava a oito kms, devíamos nos esconder. Os pais temiam que nós falássemos o talian e eles seriam punidos e presos por não nos ensinar o português.
Aos nove anos, finda a guerra, fui mandado à escola.
Aí também me sentia fora do paraíso! Na aula era proibido falar o talian, e eu entendia 20% de português, e falava apenas 5%. Não fazia perguntas para evitar o risco de errar e ser gozado pelos que sabiam mais. Mas, aos poucos, fiz amizades com colegas de outros mundos, que também falavam o italiano. No recreio, aos poucos, fui sendo aceito, e, a certa altura, todos falávamos o talian, às vezes também na aula, aos xingões e sorrisos disfarçados da professora que, fora da aula, comungava conosco.
Rio de mim mesmo, e comento com os filhos e amigos, recordando expressões mal ouvidas ou mal entendidas, ao tentarmos falar português. São inesquecíveis as seguintes expressões:
– Corra, que a choca te beca!
– Mãe, o pão já ta inchado.
– Deixa que eo do um coxo (coice).
– A vaca foi lá no formento e comeu um toco de chi a la oltra! Seguidamente, papai, em casa, quando ninguém falava, dizia, com seriedade:
– Alora, ciò, doman ndemo, vera? Se perguntássemos – Ndemo ndove? – respondia:
– Ndemo in Itàlia, nò!
A Itália era, para ele, um grande sonho, um pedaço do paraíso! Exímio contador de divertidas histórias em talian, o pai era nosso passatempo nas noites de inverno, com histórias que me tocaram tanto, que acabei de escrever algumas na obra Bele stòrie che’l pupà conteva, em talian e português.
Foi esta comunicação de vida e cultura que me deleita nas leituras de livros, do Correio Riograndense, da Revista Insieme, do Messagero di San’antonio...
Professor aposentado, dedicome a escrever, apresentar programas de rádio em talian, e ensinar talian e italiano a crianças e adultos interessados, nel mio piccolo mondo - Trindade do Sul
Fonte: Revista Insieme